terça-feira, 26 de outubro de 2010

Os Segredos de Adriana

Já eram muito comuns as visitas aos finais da tarde que dona Adriana fazia à nossa casa, mais precisamente, à nossa mãe.
Bem, não sei se eram propriamente desabafos ou pedidos de conselhos, poderia ser que não se tratasse de nem uma coisa nem outra. Quem entende a alma humana?
Crianças fora da sala, mas devidamante escondidas atrás dos sofás e cortinas, se esforçavam por ver e ouvir aquelas cúmplices em diálogos entrecortados de suspiros e lágrimas. Um caudal, um oceano de água, sal e muita dor.

Dona Adriana era um modelo de mulher: discrição, elegância, suavidade, mas também sofisticada nos seus modos e expressões. Gostaríamos até de compará-la com alguma artista de cinema, mas nenhuma delas lhes faziam juz de tanto que a admirávamos. Perfeita em tudo, mas essa mesma perfeição não ia lá muito longe, pois seu complicado casamento lhe sufocava a tal ponto que, a julgar por aquelas cenas, nós a considerávamos a pessoa mais infeliz desse mundo.
Uma indagação repetitiva e angustiada sempre lhe saía dos lábios vermelhos de serem esfregados pelo lencinho bordado à mão:
- Eu mereço isso? Eu mereço isso? Eu...
Nesse exato momento, parecia-nos que tudo se entristecia naquela sala caprichosamente tão arrumada e até as flores no vaso da mesinha de centro, encerada com óleo de peroba, se quedavam e começavam a murchar. Um refresco de maracujá, alguns biscoitinhos amanteigados sempre amenizavam o clima tempestuoso e tenso.
Frases soltas daqui e dali e surgiu o nome do vilão, o marido, só podia ser, o Juvenal.
Maldito sejas, Juvenal! Se soubesses o quanto foste odiado por nós e caso não fôssemos tão crianças iríamos aos confins da terra para esbofeteá-lo e até, sei lá, matá-lo aos pouquinhos com alguns requintes das temíveis crueldades infantis.
- Paciência, minha amiga! Contemporizava minha mãe.
E Juvenal escapou ileso. Eles sempre escapam!

Gonzaguinha, sai um pouco dessa boa vida aí no céu e vem cantar para nós aquela música que arrebenta com o machismo! É o Ponto de Interrogação. Vamos ouvi-la com atenção, minha gente, pois a história costuma sempre se repetir, infelizmente.

Por acaso algum dia você se importou

Em saber se ela tinha vontade ou não

E se tinha e transou,você tem a certeza

De que foi uma coisa maior para dois

Você leu em seu rosto o gosto,o fogo,o gozo da festa

E deixou que ela visse em você

Toda a dor do infinito prazer

E se ela deseja e você não deseja

Você nega,alega cansaço ou vira de lado

Ou se deixa levar na rotina

Tal qual um menino tão só no antigo banheiro

Folheando revistas,comendo as figuras

As cores das fotos te dando a completa emoção

São perguntas tão tolas de uma pessoa

Não ligue,não ouça são pontos de interrogação

E depois desses anos no escuro do quarto

Quem te diz que não é só o vicio da obrigação

Pois com a outra você faz de tudo

Lembrando daquela tão santa

Que é dona do teu coração

Eu preciso é ter consciência

Do que eu represento nesse exato momento

No exato instante na cama,na lama,na grama

Em que eu tenho uma vida inteira nas mãos...