terça-feira, 5 de agosto de 2014

Mensagens dos meninos perdidos - última parte

A Rua do Corte, era nada mais, nada menos que um rasgão no barranco vermelho, conduzindo a uma mina abandonada. Lá era o lugar onde Paulinho Boiola, o afeminado, Beto Ferrugem, o ruivo sardento, Naldo Ricaço, de topete engomado, Filé Boa Vida e, lógico, Tonico Pretinho que acaba de apontar uma faca pra moça da mochila; viviam - se é que isso é viver - dos seus furtos e brincadeiras.Brincadeiras sim, e por que não? Eles são crianças, desprezadas, amaldiçoadas por todos nós, mas mesmo assim...crianças. A "boa sociedade" da qual fazemos parte,  os chamam de escória, lixo. Tá parecendo panfletário? Tudo bem, vou mudar o papo e voltar ao mundo da fantasia.
Ia me esquecendo do Mandrake, o cãozinho sujo e sarnento, um vira-latas originado de toda uma estirpe da pior espécie da raça "tomba", não conhecem essa raça? Pois é, trata-se de uma variante mais fedorenta e suja do que a dos vira-latas normais. Isso é que é pedigree!
- O que a madame quer por aqui? A faca tocando o estômago de Nieta.
- Bem, me mandaram trazer um negócio pra vocês, nada demais...(estranho, o medo de Nieta desapareceu, afinal, ela estava diante de um pobre garoto também assustado e acabou sentindo-se igual a ele).
- Olha, moça, vamos indo pra birosca do seu João porque é lá que meus amigos tão tomando uns trago.
- Falou! Vamos!
Sobem um viaduto de onde se avista uma linha de trem, camelôs com suas quinquilharias já estão armando seus produtos contrabandeados quando um deles avança sobre a mensageira Nieta e lhe aperta os seios com vontade. - Qualé, cumpadi! Tonico fica bravo e dá um solavanco no velho safado. - Tu num tá vendo que a muié tá comigo? Vaza daqui!
- Gente, essa dona aqui quer falar uns troços com a gente!Berra bem alto, o Pretinho.
Naldo, o engomadinho, se levanta do balcão e botando a mão no ombro de Nieta dá uma piscadela de olho. Toma a palavra e diz em tom de galhofa: - Veio salvar a gente? Hum, mas dessa vez mandaram uma salvadora boazuda. E ri, faltando alguns dentes na boca fina e anêmica.
Já na úmida caverna, em meio às cobertas velhas e rasgadas, todos sentados e já mais com os ânimos serenados, ouvem o que Nieta veio para lhes dizer.
- Eu sei que vocês têm todos os motivos para não confiarem em ninguém, mas acontece que outro dia eu recebi uns pacotes do estrangeiro...
- Ah, pacotes, né? Retruca com voz fina, o Boiola...
- Deixa a mulher continuar, caramba! Agora é Beto Ferrugem que bota um fim na bagunça.
Mas Nieta apenas abre a mochila e retira dela as cinco caixas de madeira e em seguida, sai entregando uma para cada um com as suas respectivas mensagens. Foi um momento de uma seriedade quase ritualística.
As caixas iam se abrindo e de dentro delas iam saltando os super-heróis preferidos de cada um dos meninos. Um ganhara o Hulk, do outro lado já estava o Homem Aranha, mais adiante, o Homem de Ferro, assim por diante. Mas todos eles com os nomes dos meninos e uma mensagem inscrita nas bases de apoio. Mas acontece que os meninos não sabiam ler.
Nieta, pacientemente, leu todas as mensagens. Os pequenos heróis foram parar num caixote de madeira que lhes servia de mesa. Todos os garotos ainda estavam meio zonzos e chapados da bebedeira, exaustos e moídos, dormiram de uma vez só.
A mensageira Antonieta saiu devagarzinho e ainda voltou a cabeça para olhar a última cena: fazia frio e os corpos abraçados formavam uma única massa de grandiosos sonhos, sonhos vãos e perdidos.
Eram apenas meninos e para sempre, infelizmente, irremediavelmente... perdidos. FIM
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Os nomes de Jonathan e Swiftilândia foram inventados por mim numa referência ao grande filósofo irlandês, Jonathan Swift que para criticar a sociedade inglesa da época, escreveu sobre uma cidade fictícia, Lilliput, onde homens pequenos travavam lutas inglórias contra os homens grandes.
Recentemente assisti o filme Os Incompreendidos do criador da Nouvelle Vague francesa, o sensível e grande cineasta, François Truffaut. Cabe aqui também revelar que tentei dar uns leves toques inspirada nos geniais Michelangelo Antonioni e Luiz Buñuel, críticos mordazes da burguesia em geral, quem os conhecer vai entender o que quero dizer.
Bem, agora já posso voltar aos meus  poemas de amor...[uma bela e irônica gargalhada insiste em sair da minha garganta]
Tchau, meus coleguinhas, espero que durmam bem nas suas almofadas de seda!