segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Coelhos e Canteiros - O Natal de Anabela

Então, sonhou estar passeando por uma ilha, acompanhado por várias pessoas que conversavam em um estranho idioma, mas não lhe davam a mínima atenção. Chegou a pensar dentro do próprio sonho naquele tipo de rejeição onírica que sofria por parte daqueles ilustres desconhecidos.
Sonho que até parecia ser bom, transcorrendo à beira-mar, sentindo os pés sendo tocados pelas ondas salgadas e a areia macia cobrindo-lhe os membros inferiores do seu corpo.
Água? Acordou muito assustado. Era Anabela com um copo d'água nas mãozinhas molhando-o nos pés e parte das pernas e, logicamente, com um sorriso pra lá de travesso nos lábios. E antes que pudesse dar-lhe uma boa bronca, ele notou que o seu sorriso se alargava mais e mais, mostrando a ausência dos dentinhos da frente; a menina estava trocando de dentição. Quão jovenzinha era sua filha! Quanta vida pela frente!
- Pai, vamos ao shopping pra ver Papai Noel e o presépio? Vamos, pai, afinal você faz niver no Natal, esqueceu?
- Tá certo, tá certo, Aninha, mas me deixe ao menos despertar e tomar um cafezinho, posso?
A casa, magicamente, encheu-se de gritinhos e barulhinhos de quem salta aos pulos no piso. A menina se achava alegremente descontrolada.
- Mãeeeee, papai chamou a gente pra passear no shopping! Vou trocar de roupa, tá?
Gertrude, tirando o velho avental, já entendia as peripécias da filha e lá se foram ambas para o quarto a fim de escolher roupas bonitas e da moda.
Mark, ou Markinho, como era chamado pelos mais chegados, saiu do quarto arrastando seus chinelões, passou pela janela aberta e de lá avistou Castanho (o glutão coelhinho) na sua infindável refeição naturalista, e que agora já devorava as alfaces. Sorriu e pensou em voz alta: - Dessa vez não tenho desculpa, só me resta levar esse bendito cartão de crédito. Mas só o cartão de crédito? Por que não deixar que Castanho também participasse desse banquete natalino?
- Acho que vou levar o Castanho! Vou sim! Decidiu.
PS: A essa altura dos acontecimentos, vocês já devem estar imaginando as confusões de Mark e Castanho na praça de alimentação do shopping, não é mesmo?

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Coelhos e Canteiros

Ele sempre se sentia perdido quando tinha que optar entre isso ou aquilo E aí vinha aquele desespero antes e depois daquelas escolhas obrigatórias do dia a dia.
Foi numa dessas ocasiões, mais precisamente, no dia do seu aniversário - ia completar quarenta anos - que sentiu uma vontade forte de lançar fora de si velhos hábitos e convenções já enraizados no seu mundo interior.
Numa manhã bem clara, olhou para os canteiros que sua pequena Anabela, plantara no fundo do quintal quando ouviu ali arrufos e alguns movimentos entre as verdes ramagens. Era ele, o pequeno e devastador orelhudo, um belo coelhinho castanho dourado que se apropriava sem pudor das tenras cenourinhas que começavam a crescer terra adentro. Porém, Mark apenas observou e não fez nenhuma menção de atrapalhar "o almoço" do ladrãozinho esfomeado. Ficou ali parado, estudando suas reações e sentindo um grande prazer com toda aquela atividade, um dia conseguiria sua amizade, pensou.
Voltou para dentro de casa, jantou com a família e caiu na cama cansado, mal beijando sua mulher que, coitada, vivia atarefada com os seus intermináveis serviços domésticos, e pior, sem o seu carinho e diálogo.
Mark já não era mais o mesmo marido de antes, o mesmo amante envolvente e fogoso. Sentia-se como um autômato que tomava banho, escovava os dentes e fechava os olhos para que caísse sobre ele o esquecimento do mundo e seus insolúveis problemas.
Continuaremos depois...
Curtam  aí o talentoso Raimundo Fagner e seus Canteiros.
As imagens são do filme "O Ano do Coelho" com uma das mais notáveis atuações de Christopher Lambert e um belíssimo roteiro baseado num livro muito sensível.


PS: Vou responder a todos os amigos que amavelmente me comentaram enquanto o nosso pc se encontrava em manutenção. Tudo vai voltar ao normal, se Deus quiser! Beijinhos...