terça-feira, 23 de setembro de 2014

Antonioni - Em busca da alma feminina

No começo, ele andou realizando filmes policiais, mas no fundo, no fundo, Michelangelo Antonioni não se satisfazia com experiências que o levariam somente a sucessos comerciais de puro entretenimento. Ele queria mais, queria uma obra autoral e com a sua inconfundível marca universalista e perene. Queria e fazia enquadramentos perfeitos, com fotografias elegantes, de qualidade, mesmo porque a sua formação de artista plástico assim o exigia.
Tudo aconteceu na década de sessenta, no auge do neorealismo da cinematografia italiana. já casado com Monica Vitti - atriz perfeita para os seus filmes - foi que a sua genialidade despertou por completo no que se costuma chamar hoje em dia de trilogia da incomunicabilidade humana: A Aventura, A noite e O Eclípse. Alguns ainda falam em quadrilogia e incluem Deserto Vermelho. Na verdade, nem uma coisa, nem outra, a proposta de Antonioni sempre foi profundamente existencialista e não existe uma linha de continuidade entre seus filmes, além disso, ele mesmo dizia que suas obras foram feitas porque ele sentia a necessidade de se comunicar com o seu público. O que há mesmo em Antonioni é "a sua insistência" em esmiuçar a temática do relacionamento entre os casais que, embora apaixonados, não se realizam em seus sentimentos e acabam vagando solitários por caminhos que nem mesmo ele conseguiu perscrutar.
Seus personagens, em geral, são da classe rica, mas isso não passa de pano de fundo, um detalhe apenas para que ele possa delinear o seu propósito maior, ou seja, dar um mergulho sem volta na alma humana e, mais precisamente, na alma feminina.
Em O Eclípse de 1962, o personagem interpretado magistralmente por Monica Vitti, mostra-se na tela tão angustiada com seu casamento que sai de casa sem um destino certo e acaba por se refugiar na casa de uma amiga que coleciona esculturas e quadros de arte africana. Quando, em dado momento quer se distrair, ela começa a dançar como uma negra,recebe dessa mesma amiga uma ameaça velada num momento em que mais precisa de alegria: " Não brinque com os negros!"
Mas esperem, não vão pensando que as histórias de Antonioni estejam indissoluvelmente presas aos seus personagens, suas tristezas e pequenos dramas burgueses, pois ele sempre os abandona na estrada e os deixa livres nas ruas sem o foco da sua lente perturbadora. Nunca esperem coerência dele, nunca.
Antonioni demonstra quase claramente o seu desapego com a cultura do descartável que tanto é cara ao capitalismo. De alguma forma, ele ressalta as qualidades daqueles que são frágeis e abandonados. Por exemplo, em As Amigas, ele se apega a uma jovem que acaba por suicidar-se quando suas amigas fúteis do mundo da moda tripudiam sobre ela, pisoteando sua sensibilidade e inteligência.
Em Profissão Repórter, talvez o melhor papel de Jack Nicholson, ele ao tentar se libertar dos grilhões do destino toma a identidade de um morto, acabando por perceber que de nada lhe adiantou tanto esforço nessa vã empreitada, e que mesmo com o carinho de sua mulher, perde toda a força vital de prosseguir com a farsa, entregando-se então a uma morte inglória, sem qualquer reação.
Blow up - Depois Daquele Beijo, já acontece na sua fase colorida, colocando em ação um fotógrafo de moda bem sucedido, mas que termina envolvido com um crime onde, sem querer, descobre o amor do personagem interpretado por Vanessa Redgrave que o deixa sem qualquer explicação convincente, tendo como final um estado de total solidão e desamor.
Para encerrarmos, todos os projetos humanos sucumbem e só resta o silêncio na alma dos personagens que povoam o universo de Antonioni. Mas nada disso é gratuito, é preciso ter os olhos e o coração bem sintonizados e abertos para penetrarmos nessa intrincada construção filosófica do mestre Antonioni.
"Visione del silenzio
Angulo vuoto
Pagina senza parole
Una lettera scritta
Sopra un viso
Di pietra e vapore
Amore
Inutile finestra..." assim cantou Caetano Veloso em seu último filme, Eros.

Agradecimentos ao pesquisador e cinéfilo dos melhores que eu bem conheço, Rodrigo de Moraes, que sempre me incentivou a escrever essas linhas.