segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Coelhos e Canteiros - O Natal de Anabela

Então, sonhou estar passeando por uma ilha, acompanhado por várias pessoas que conversavam em um estranho idioma, mas não lhe davam a mínima atenção. Chegou a pensar dentro do próprio sonho naquele tipo de rejeição onírica que sofria por parte daqueles ilustres desconhecidos.
Sonho que até parecia ser bom, transcorrendo à beira-mar, sentindo os pés sendo tocados pelas ondas salgadas e a areia macia cobrindo-lhe os membros inferiores do seu corpo.
Água? Acordou muito assustado. Era Anabela com um copo d'água nas mãozinhas molhando-o nos pés e parte das pernas e, logicamente, com um sorriso pra lá de travesso nos lábios. E antes que pudesse dar-lhe uma boa bronca, ele notou que o seu sorriso se alargava mais e mais, mostrando a ausência dos dentinhos da frente; a menina estava trocando de dentição. Quão jovenzinha era sua filha! Quanta vida pela frente!
- Pai, vamos ao shopping pra ver Papai Noel e o presépio? Vamos, pai, afinal você faz niver no Natal, esqueceu?
- Tá certo, tá certo, Aninha, mas me deixe ao menos despertar e tomar um cafezinho, posso?
A casa, magicamente, encheu-se de gritinhos e barulhinhos de quem salta aos pulos no piso. A menina se achava alegremente descontrolada.
- Mãeeeee, papai chamou a gente pra passear no shopping! Vou trocar de roupa, tá?
Gertrude, tirando o velho avental, já entendia as peripécias da filha e lá se foram ambas para o quarto a fim de escolher roupas bonitas e da moda.
Mark, ou Markinho, como era chamado pelos mais chegados, saiu do quarto arrastando seus chinelões, passou pela janela aberta e de lá avistou Castanho (o glutão coelhinho) na sua infindável refeição naturalista, e que agora já devorava as alfaces. Sorriu e pensou em voz alta: - Dessa vez não tenho desculpa, só me resta levar esse bendito cartão de crédito. Mas só o cartão de crédito? Por que não deixar que Castanho também participasse desse banquete natalino?
- Acho que vou levar o Castanho! Vou sim! Decidiu.
PS: A essa altura dos acontecimentos, vocês já devem estar imaginando as confusões de Mark e Castanho na praça de alimentação do shopping, não é mesmo?

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Coelhos e Canteiros

Ele sempre se sentia perdido quando tinha que optar entre isso ou aquilo E aí vinha aquele desespero antes e depois daquelas escolhas obrigatórias do dia a dia.
Foi numa dessas ocasiões, mais precisamente, no dia do seu aniversário - ia completar quarenta anos - que sentiu uma vontade forte de lançar fora de si velhos hábitos e convenções já enraizados no seu mundo interior.
Numa manhã bem clara, olhou para os canteiros que sua pequena Anabela, plantara no fundo do quintal quando ouviu ali arrufos e alguns movimentos entre as verdes ramagens. Era ele, o pequeno e devastador orelhudo, um belo coelhinho castanho dourado que se apropriava sem pudor das tenras cenourinhas que começavam a crescer terra adentro. Porém, Mark apenas observou e não fez nenhuma menção de atrapalhar "o almoço" do ladrãozinho esfomeado. Ficou ali parado, estudando suas reações e sentindo um grande prazer com toda aquela atividade, um dia conseguiria sua amizade, pensou.
Voltou para dentro de casa, jantou com a família e caiu na cama cansado, mal beijando sua mulher que, coitada, vivia atarefada com os seus intermináveis serviços domésticos, e pior, sem o seu carinho e diálogo.
Mark já não era mais o mesmo marido de antes, o mesmo amante envolvente e fogoso. Sentia-se como um autômato que tomava banho, escovava os dentes e fechava os olhos para que caísse sobre ele o esquecimento do mundo e seus insolúveis problemas.
Continuaremos depois...
Curtam  aí o talentoso Raimundo Fagner e seus Canteiros.
As imagens são do filme "O Ano do Coelho" com uma das mais notáveis atuações de Christopher Lambert e um belíssimo roteiro baseado num livro muito sensível.


PS: Vou responder a todos os amigos que amavelmente me comentaram enquanto o nosso pc se encontrava em manutenção. Tudo vai voltar ao normal, se Deus quiser! Beijinhos...

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Será que virei Alice?


Ando numa fase que só quero coisa simples, escrever para criança, sendo que assim, escrevo para mim mesma. Por isso, um dia vou te contar a história do coelhinho dentuço e saltitante. Ah, esse bichinho fica me seguindo aonde eu vá, será que virei Alice?
Viro-me, e lá está ele cravando os dentinhos na suculenta cenoura, olho para o outro lado e o danadinho já está rodopiando numa moita de capim, metendo o focinho na toca.
E fica me seguindo, me seguindo...
Que sinais me envias? Queres que eu te siga? Mas para onde podes me levar?
Espera, espera que eu irei!

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Mas o que importa o presente, passado - haverá futuro?

 Vejo fotos do passado, onde tudo vai se mesclando com o presente. E se o futuro for o sono eterno em algum cantinho de céu ou mesmo num inferninho ardente, haveria de ser esse o verdadeiro presente?
No mosteiro Zen, seríamos todos monges. No bar da esquina, embriagada de vinhos doces e baratos, tendo como companheiros brutamontes suados e até refinados senhores, serias tu mulher da vida, apenas um naco de carne qualquer. Mau agouro ser mulher e da vida? Mas a vida é boa e bela, já diziam ilustríssimos poetas da modernidade digital.
Vamos por partes, usemos a razão. Que se dane a razão enquanto o mundo se estilhaçar em "sujos, feios e malvados". Sonhávamos com aquele oásis onde tendas se refrescavam à sombra das tamareiras, mas deceparam as tamareiras e a água secou em São Paulo. Essa mesma água que se evaporou dos ambiciosos corações dos homens e mulheres sem fé, fedorentos da lama do dinheiro fácil. Por isso, revejo fotos amareladas. Se somos infelizes? Para que nos serve o conceito de felicidade? 
Brindemos com o vinho amargo.


quarta-feira, 22 de outubro de 2014

JK, o bom mineiro de Diamantina

Brasília sendo construída, desbravada pelas mãos calosas dos candangos. Enquanto isso, o mineiro de Diamantina, visitava escolas e brincava com as crianças no recreio.
Um dia, muito menina ainda, não sei o que senti ao vê-lo tão sorridente e brincalhão que corri em sua direção e ele me levantou em seus braços fortes, dizendo-me algo que a minha memória tenra não reteve. Mas uma curta frase eu pude balbuciar:
"- Juscelino, você é  meu presidente!"

 No planalto central, moramos por alguns anos e lá tomamos banhos nas claras águas das cachoeiras do Rio Paranoá, e foi também lá que conseguimos fazer um círculo de amizades super heterogêno.
  Era gente de todo o Brasil: a baiana Edelzuita, o cearense seu Solano, dona Neném a mineira, o casal Afrodízio e seus cinco filhos que eram goianos, dona Amélia, a pernambucana, Eliane a carioca, e fica faltando mais, muito mais gente boa e fraterna. Todos com seus empregos e bem alimentados, todos felizes.
Quando voltamos ao Rio, trouxemos sementes das "flores de Brasília" que são os bipinatus e fizemos, eu e meus irmãos, um jardim das cores do teu grande coração, doutor Juscelino, o médico carinhoso e político conciliador que soube bem entender a alma simples do povo brasileiro.
Porque nos deixaste tanta saudade, Juscelino Kubitschek de Oliveira?
Vamos de "Peixe Vivo" com outro mineiro maravilhoso? Canta pra nós, Milton Nascimento!

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Segure-se no corrimão

Cuide-se bem ao subi-la
Segure-se ao corrimão
Da escada
O primeiro, o segundo, o terceiro
degraus parecem e são fáceis
Chegando ao topo
Respire
Mas não exulte de alegria
Sem soberba
Não se orgulhe
De ter sido 
O primeiro
Para não escorregar
Nas caudas de cetins 
Da sua própria vaidade

"Vaidade das vaidades"
Já dizia Salomão, o rei
"Tudo é vaidade"
Porque subir demora
E descer é rápido
Rolar escada abaixo
Mais fácil ainda
Segure-se firme
Aguente

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O claro e o obscuro

Acendo a lanterna
Algo se perdeu
Pode ser a  jóia ou o grampo de cabelo
Algo se perdeu
Foi-se a minha paz
Para debaixo da cama
Mas a luz que me acompanha
Pelos labirintos da perdição
Essa não se apagará
Abandono a busca e os ingratos
Objetos do meu desejo
Apego-me apenas à clara luz
Que fere de morte os abismos do obscuro...


segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Helmut Berger e eu!

Passada essa "onda cívica" que quase me deixou de quatro, naquela de quem ganhou, quem não ganhou e acaba que...bem, todo mundo sabe como termina essa euforia de todos nós, o povão brasileiro, ou não sabemos? Enfim, volto airosamente a uma das minhas famosas paixões nunca dantes revelada e que a ninguém interessaria, não fosse eu essa linguaruda que sou, Helmut Berger. E vou logo advertindo aos senhores e senhoras que, se por acaso, tiverem "a feliz idéia" de pesquisá-lo em português na famosa (e incompleta) Wikipédia brasileira, vão derramar copiosas lágrimas de sangue. O ator, tido como o homem mais bonito do mundo e preferido dos diretores de filmes cult, só pode ser pesquisado em alemão (sentiram o drama?), italiano, inglês, por aí. O motivo? Mistério profundo, eu também estou dando tratos à bola para saber. Mas já consegui um razoável material nesse meu insaciável vício e martírio "Helmutiano".
Encontrei Helmut meio que por acaso e fui seguindo pistas. Passados quase dez anos, delicio-me agora com todo o seu esplendor artístico, principalmente na filmografia do perfeccionista Luchino Visconti.
bem, estão aí umas poucas cenas de Violência e Paixão que na minha modestíssima opinião são cenas - como poderia defini-las? Digamos que se trata de um romantismo meio erotizado, sem aquelas apelações detestáveis que estão tanto em voga por aí, isso aqui, meus queridos, é Arte, é emoção estética, papa fina. E o conteúdo? Ora, vejam o filme! Depois, um dia, quem sabe, eu volto à carga contando outras preciosidades. Ah, e tem essa música aí, Testarda Io, sendo interpretada na afinada e bela voz de Iva Zanicchi. E para irmos já encerrando, como curiosidade, vocês querem saber quem são os autores da mesma? Nada mais, nada menos que Roberto e Erasmo Carlos. Pois é, amigos, nós aqui torcendo os narizinhos para o popular, mas o Príncípe italiano (ele era nobre mesmo), Visconti, colocando lá, como trilha sonora de uma das suas obras mais primorosas, os nossos brasileirinhos da jovem guarda, "turma do lamê"  e outros tantos rótulos menos votados que muita gente com problemas freudianos gosta de impor aos outros. Deixa pra lá, sem neuras, cuca fresca e vida que segue. 

Tenho tanto e tanto para falar que esse postzinho é só uma gotinha d'água nesse profundo oceano de variadas nuances, principalmente no que toca a uma outra película também dirigida pelo Mestre Visconti, Ludwig. Aqui, são cinco horas de uma aula de História, cenários de época requintados, Romy Schneider e aquela exuberância interpretativa dele...Helmut Steinberger. Ou, como ele mesmo simplificava, Helmut Berger.
 
Delícia, puro deleite...
Helmut Berger e eu!

domingo, 5 de outubro de 2014

Refletindo - As medalhas da sorte de Eduardo Campos

Eu acho que quem me acompanha nessa jornada virtual já percebeu que não gosto de "politizar" meus espaços. Portanto, não se enganem com o título acima. Não vou fazer a cabeça de ninguém, mesmo porque  com a minha idade - sou uma criatura macróbia - não admito que façam a minha.
Mas não sei, esse "clima de eleições", esse inconsciente coletivo pega a gente, envolve a gente, sufoca a gente.
Só sei que a figura de Eduardo Campos ficou pairando no ar, embora o avião tenha caído vertiginosamente em terras paulistas.
Com ele haviam algumas medalhinhas da sorte que a família pediu e foram encontradas.
Que família sem sorte, poderíamos pensar.
Que nação infeliz somos, poderíamos gritar.
Vejam as medalhas nas mãos ainda sujas do bombeiro que as encontrou...

Isso não é nem uma postagem que valha a pena ser comentada mas...vejam, são santinhos e mais um trevinho de quatro folhas que ele sempre carregava próximo ao seu corpo brutalmente estilhaçado naquela explosão. Houve sorte para seus companheiros?
Ainda haverá sorte para nós?
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Outro post virá em seguida, o que fiz aqui foi só uma rápida e emotiva reflexão. Descanse em paz, Eduardo Campos!

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Quando publicamos um livro só fica faltando um ingrediente - humildade


Foi o primeiro livro, fiquei orgulhosa a princípio, mas felizmente essa fase passou. Bem encadernado e ilustrado, obteve bastante sucesso na minha cidade. Sucesso esse que só serviu para inflar o meu ego de menina metida a intelectual.
Felizmente, o orgulho foi lapidado a tal ponto que nunca mais o manuseei, aliás nem me lembrava mais da sua existência até que hoje, justamente hoje, fui espanar a poeira e lá estava a tal "A Ilha do Milionário" a me espreitar. Mas eu lhe sussurrei baixinho: não vou lhe fazer concessões, você foi romântico demais e tudo acabou entre nós, não quero mais papo contigo.
Insuportável a história, mas para quem gosta de um bom copo d'água gelada com bastante açúcar, dá para descer redondo e encarar.
Um empresário, condenado por um diagnóstico letal por seu médico de confiança, compra uma belíssima ilha no Caribe e muda-se para lá com tudo o que tem direito. Mas...ohhhhh, falta-lhe a sua "rainha", o grande amor de sua vida que ele projeta na sua arrumadeira, a principio muito boazinha e solícita, mas que acaba por tentar abreviar o fim do seu ex patrão em conluio com quem? Obviamente com o tal doutor de confiança e blá, blá, blá, blá.
E agora, passados tantos e tantos anos, já consigo alinhavar algo um pouco melhor melhor, mas lutei e luto muito comigo mesma, com a minha vaidade pessoal e, principalmente, com a humildade em reconhecer os verdadeiros talentos da literatura nacional e mundial. Li Fernando Pessoa, li desde Drummond a Faulkner e a lista não parou nem vai parar nunca. E tem ainda o cinema que se traduz atualmente na minha verdadeira e maior paixão.
Será que viverei para assistir a todos os filmes (de qualidade) do mundo?
Só mais uma breve observação; a música italiana aqui cantada vai continuar porque existe uma, nessa sim, uma fascinante história por trás da bela voz de Iva Zanicchi e que será contada na próxima postagem, assim espero.
As flores que aparecem aqui ficam por conta de um capítulo dedicado a um jardim de tulipas que César (o coitadinho do milionário) plantara com suas próprias mãos. Bom, pelo menos essa foi a única e melhor parte dessa  trama que ficou enterrada no passado, e para sempre.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Antonioni - Em busca da alma feminina

No começo, ele andou realizando filmes policiais, mas no fundo, no fundo, Michelangelo Antonioni não se satisfazia com experiências que o levariam somente a sucessos comerciais de puro entretenimento. Ele queria mais, queria uma obra autoral e com a sua inconfundível marca universalista e perene. Queria e fazia enquadramentos perfeitos, com fotografias elegantes, de qualidade, mesmo porque a sua formação de artista plástico assim o exigia.
Tudo aconteceu na década de sessenta, no auge do neorealismo da cinematografia italiana. já casado com Monica Vitti - atriz perfeita para os seus filmes - foi que a sua genialidade despertou por completo no que se costuma chamar hoje em dia de trilogia da incomunicabilidade humana: A Aventura, A noite e O Eclípse. Alguns ainda falam em quadrilogia e incluem Deserto Vermelho. Na verdade, nem uma coisa, nem outra, a proposta de Antonioni sempre foi profundamente existencialista e não existe uma linha de continuidade entre seus filmes, além disso, ele mesmo dizia que suas obras foram feitas porque ele sentia a necessidade de se comunicar com o seu público. O que há mesmo em Antonioni é "a sua insistência" em esmiuçar a temática do relacionamento entre os casais que, embora apaixonados, não se realizam em seus sentimentos e acabam vagando solitários por caminhos que nem mesmo ele conseguiu perscrutar.
Seus personagens, em geral, são da classe rica, mas isso não passa de pano de fundo, um detalhe apenas para que ele possa delinear o seu propósito maior, ou seja, dar um mergulho sem volta na alma humana e, mais precisamente, na alma feminina.
Em O Eclípse de 1962, o personagem interpretado magistralmente por Monica Vitti, mostra-se na tela tão angustiada com seu casamento que sai de casa sem um destino certo e acaba por se refugiar na casa de uma amiga que coleciona esculturas e quadros de arte africana. Quando, em dado momento quer se distrair, ela começa a dançar como uma negra,recebe dessa mesma amiga uma ameaça velada num momento em que mais precisa de alegria: " Não brinque com os negros!"
Mas esperem, não vão pensando que as histórias de Antonioni estejam indissoluvelmente presas aos seus personagens, suas tristezas e pequenos dramas burgueses, pois ele sempre os abandona na estrada e os deixa livres nas ruas sem o foco da sua lente perturbadora. Nunca esperem coerência dele, nunca.
Antonioni demonstra quase claramente o seu desapego com a cultura do descartável que tanto é cara ao capitalismo. De alguma forma, ele ressalta as qualidades daqueles que são frágeis e abandonados. Por exemplo, em As Amigas, ele se apega a uma jovem que acaba por suicidar-se quando suas amigas fúteis do mundo da moda tripudiam sobre ela, pisoteando sua sensibilidade e inteligência.
Em Profissão Repórter, talvez o melhor papel de Jack Nicholson, ele ao tentar se libertar dos grilhões do destino toma a identidade de um morto, acabando por perceber que de nada lhe adiantou tanto esforço nessa vã empreitada, e que mesmo com o carinho de sua mulher, perde toda a força vital de prosseguir com a farsa, entregando-se então a uma morte inglória, sem qualquer reação.
Blow up - Depois Daquele Beijo, já acontece na sua fase colorida, colocando em ação um fotógrafo de moda bem sucedido, mas que termina envolvido com um crime onde, sem querer, descobre o amor do personagem interpretado por Vanessa Redgrave que o deixa sem qualquer explicação convincente, tendo como final um estado de total solidão e desamor.
Para encerrarmos, todos os projetos humanos sucumbem e só resta o silêncio na alma dos personagens que povoam o universo de Antonioni. Mas nada disso é gratuito, é preciso ter os olhos e o coração bem sintonizados e abertos para penetrarmos nessa intrincada construção filosófica do mestre Antonioni.
"Visione del silenzio
Angulo vuoto
Pagina senza parole
Una lettera scritta
Sopra un viso
Di pietra e vapore
Amore
Inutile finestra..." assim cantou Caetano Veloso em seu último filme, Eros.

Agradecimentos ao pesquisador e cinéfilo dos melhores que eu bem conheço, Rodrigo de Moraes, que sempre me incentivou a escrever essas linhas.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

E viva o cordão encarnado!

Estado de Alagoas, década de trinta. Já na adolescência, lá pelos seus quinze anos, ela participava das apresentações públicas que colocavam em disputa os tradicionais cordões azul e encarnado. A mocinha vibrava pelo seu cordão encarnado, a cor de sua predileção.
Os tecidos vermelhos vinham da capital, Maceió, mas eram costurados por dona Cecília que caprichava na saia rodada e nos rendados.
E assim, a jovenzinha girava nas sapatilhas e ali, extravazava toda a sua alegria em direção aos olhos e corações dos rapazes que a assistiam, entre eles, aquele que viria a ser meu futuro e querido pai. E já dá pra saber quem seria a vaidosa menina? Ah, essa só poderia ser minha mãe, tão perfumada em suaves fragâncias, e muito graciosa naqueles trajes típicos.
Por isso, costumávamos ouvi-la na hora do almoço lá em casa, entoando a seguinte estrofe:
"Sou rosa vermelha,
Sou teu bem querer
A rosa vermelha encanta
Hei de amá-la até morrer"

As apresentações dos cordões azul e encarnado ainda fazem parte do folclore nordestino até os dias de hoje. E viva o cordão encarnado!

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

De quê que ela vai falar agora?

Aposto que é sobre criança pobre.
- Se for esse lenga lenga de novo, eu nem comento!
Aposto que é do tempo que passou e não volta mais, a coitada é saudosista.
- Decididamente, não vou comentar e ponto!
Com certeza é sobre cinema, quer apostar?
- Xiiii, que chatice!
Cá entre nós, eu acho que é sobre sexo.
- Não, não, e não, eu a conheço bem, ela é metida a santarrona, puritana.
Então, só pode ser de um daqueles livrinhos que leu na infância e a fazia chorar horrores.
[risinhos baixos de canto de boca]
Já sei, vai se meter com política, eleições chegando, coisa e tal...
- Acertou, amiga, deve ser isso mesmo.
[Ruídos típicos de telefones sendo desligados]

Querem a minha resposta? Tá bom, aí vai:
E eu vou ligar pra fofocas de comadres  com tanta coisa interessante pra curtir na vida?
Que tal fazer uma boa faxina no cafofo, hein gente fina?
Eu já comecei...

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Heathcliff, a paixão que nunca morre

Heathcliff é mais um daqueles personagens que se evadiram das páginas de um livro e tomaram um rumo próprio. O livro, no caso, trata-se do Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë. 
Um menino cigano é adotado e amavelmente tratado por seu pai adotivo, mas após o falecimento do mesmo as coisas mudam para pior, aliás, para bem pior, sendo que Heathcliff torna-se um escravo do ciumento irmão, filho legítimo da família. Açoitado, espezinhado, desrespeitado brutalmente, ele só encontra apoio e carinho na companhia de Catherine, sua irmã adotiva.
Bem, mas aqui não se trata de mais uma resenha de um clássico da literatura mundial, a nossa abordagem pretende enveredar por outros escaninhos mais enigmáticos da alma humana.
Na verdade, Heathcliff e Cathy constroem para ambos seus próprios códigos e suas afinidades tornam-se mais estreitas, daí nascendo um relacionamento efetiva e afetivamante forte,
podendo-se dizer eterno, indestrutível.
A trama que se tece entre eles mostra-se intrincada de gestos sutis e, paradoxalmente, também revela uma paixão visceral diferente de tudo o que se possa imaginar.
O clima do romance é telúrico, feito de terra, lama, chuvas, ventos que uivam como lobos, e muitos animais e plantas silvestres. Resumindo, selvageria e pura ternura se confundem nessas almas apaixonadas. As feridas das chibatadas nas costas do amado são tratadas com a saliva da língua de Cathy.
Mas Cathy torna-se mulher e descobre a vaidade da vida confortável e burguesa, namora um rapaz de muitas posses e pouca personalidade. Heathcliff foge, desaparece do mapa. Heathcliff retorna como um homem muito rico, riqueza nebulosa, mas como dinheiro é dinheiro, ele é aceito por todos. Seu temperamento modificou-se drasticamente, está taciturno, senhor de si, vingativo e cruel.
Uma coisa, apenas uma, não vai mudar, a sua tórrida paixão por Catherine que adoece e morre por não poder romper com seu falso casamento de fachada.
E é nesse ponto que começamos a nos perguntar: Heathcliff enlouqueceu ou seu amor transcendeu à morte de sua Cathy? A razão, nessas circunstâncias, não nos serve mais de ferramenta para prosseguirmos numa análise certinha e pasteurizada. Pelo contrário, a razão de nada vale.
  Heathcliff, enlouquecido ou não, vai em busca de Cathy até em sua última morada e escava o túmulo com suas próprias mãos, só parando quando a "vê" passar por entre as urzes do campo, seguindo-a e perdendo-a de vista.
Só aí podemos verificar que "a paixão" desse homem agrega em si dois significados, o seu sofrimento interior intenso e a sua vontade férrea de se completar através do amor de sua amada que se foi e não voltará jamais. Duplo martírio esse dos que amam sem poderem encontrar a felicidade terrena.
Mas gostaria de  permitir que a própria e genial, Emily Brontë, fale da sua mais bem querida criatura:
"E o meu amor por Heathcliff é como as rochas eternas que ficam debaixo do chão; uma fonte de felicidade quase invisível, mas necessária."

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Estóicos e hedonistas uivam para a lua

Estamos em tempos de lua cheia, sombras e sussurros, há lobisomens a rondar. Os cães uivam, homens morrem de desastre na terra e no ar, viúvas enlutam-se de negro fechado.
Fechados em seus princípios herméticos, reais ou virtuais estão os hedonistas, cultivadores da flor iridescente do prazer a qualquer preço; alto preço a ser pago, rosa sanguinolenta, sangue jorrando da fonte do capitalismo desvairado, louco e por origem, indecente.
Já os estóicos, curvam-se aos duros açoites do destino, não choram nem riem, apenas se arrastam, caminham sem olhar o céu, sem perceberem se existe ao menos a mínima possibilidade de um amanhã.
O encontro já marcado estava em alguma curva dessa estrada. Eles, hedonistas irresponsáveis
 e mais os estóicos vergastados e de olhos esbugalhados pela dor se ajoelharão ao pé de uma cruz, todos uivarão tão alto, tão alto que a própria vida morrerá ensurdecida.
E a refulgente flor, banhada pelo sangue dos inocentes lançará suas aveludadas pétalas aos ventos que virão de um futuro qualquer...

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Mensagens dos meninos perdidos - última parte

A Rua do Corte, era nada mais, nada menos que um rasgão no barranco vermelho, conduzindo a uma mina abandonada. Lá era o lugar onde Paulinho Boiola, o afeminado, Beto Ferrugem, o ruivo sardento, Naldo Ricaço, de topete engomado, Filé Boa Vida e, lógico, Tonico Pretinho que acaba de apontar uma faca pra moça da mochila; viviam - se é que isso é viver - dos seus furtos e brincadeiras.Brincadeiras sim, e por que não? Eles são crianças, desprezadas, amaldiçoadas por todos nós, mas mesmo assim...crianças. A "boa sociedade" da qual fazemos parte,  os chamam de escória, lixo. Tá parecendo panfletário? Tudo bem, vou mudar o papo e voltar ao mundo da fantasia.
Ia me esquecendo do Mandrake, o cãozinho sujo e sarnento, um vira-latas originado de toda uma estirpe da pior espécie da raça "tomba", não conhecem essa raça? Pois é, trata-se de uma variante mais fedorenta e suja do que a dos vira-latas normais. Isso é que é pedigree!
- O que a madame quer por aqui? A faca tocando o estômago de Nieta.
- Bem, me mandaram trazer um negócio pra vocês, nada demais...(estranho, o medo de Nieta desapareceu, afinal, ela estava diante de um pobre garoto também assustado e acabou sentindo-se igual a ele).
- Olha, moça, vamos indo pra birosca do seu João porque é lá que meus amigos tão tomando uns trago.
- Falou! Vamos!
Sobem um viaduto de onde se avista uma linha de trem, camelôs com suas quinquilharias já estão armando seus produtos contrabandeados quando um deles avança sobre a mensageira Nieta e lhe aperta os seios com vontade. - Qualé, cumpadi! Tonico fica bravo e dá um solavanco no velho safado. - Tu num tá vendo que a muié tá comigo? Vaza daqui!
- Gente, essa dona aqui quer falar uns troços com a gente!Berra bem alto, o Pretinho.
Naldo, o engomadinho, se levanta do balcão e botando a mão no ombro de Nieta dá uma piscadela de olho. Toma a palavra e diz em tom de galhofa: - Veio salvar a gente? Hum, mas dessa vez mandaram uma salvadora boazuda. E ri, faltando alguns dentes na boca fina e anêmica.
Já na úmida caverna, em meio às cobertas velhas e rasgadas, todos sentados e já mais com os ânimos serenados, ouvem o que Nieta veio para lhes dizer.
- Eu sei que vocês têm todos os motivos para não confiarem em ninguém, mas acontece que outro dia eu recebi uns pacotes do estrangeiro...
- Ah, pacotes, né? Retruca com voz fina, o Boiola...
- Deixa a mulher continuar, caramba! Agora é Beto Ferrugem que bota um fim na bagunça.
Mas Nieta apenas abre a mochila e retira dela as cinco caixas de madeira e em seguida, sai entregando uma para cada um com as suas respectivas mensagens. Foi um momento de uma seriedade quase ritualística.
As caixas iam se abrindo e de dentro delas iam saltando os super-heróis preferidos de cada um dos meninos. Um ganhara o Hulk, do outro lado já estava o Homem Aranha, mais adiante, o Homem de Ferro, assim por diante. Mas todos eles com os nomes dos meninos e uma mensagem inscrita nas bases de apoio. Mas acontece que os meninos não sabiam ler.
Nieta, pacientemente, leu todas as mensagens. Os pequenos heróis foram parar num caixote de madeira que lhes servia de mesa. Todos os garotos ainda estavam meio zonzos e chapados da bebedeira, exaustos e moídos, dormiram de uma vez só.
A mensageira Antonieta saiu devagarzinho e ainda voltou a cabeça para olhar a última cena: fazia frio e os corpos abraçados formavam uma única massa de grandiosos sonhos, sonhos vãos e perdidos.
Eram apenas meninos e para sempre, infelizmente, irremediavelmente... perdidos. FIM
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Os nomes de Jonathan e Swiftilândia foram inventados por mim numa referência ao grande filósofo irlandês, Jonathan Swift que para criticar a sociedade inglesa da época, escreveu sobre uma cidade fictícia, Lilliput, onde homens pequenos travavam lutas inglórias contra os homens grandes.
Recentemente assisti o filme Os Incompreendidos do criador da Nouvelle Vague francesa, o sensível e grande cineasta, François Truffaut. Cabe aqui também revelar que tentei dar uns leves toques inspirada nos geniais Michelangelo Antonioni e Luiz Buñuel, críticos mordazes da burguesia em geral, quem os conhecer vai entender o que quero dizer.
Bem, agora já posso voltar aos meus  poemas de amor...[uma bela e irônica gargalhada insiste em sair da minha garganta]
Tchau, meus coleguinhas, espero que durmam bem nas suas almofadas de seda!


segunda-feira, 28 de julho de 2014

Mensagens dos meninos perdidos - segunda parte

Mochila nas costas, Nieta pega o metrô, desce e sai percorrendo trilhas e ruelas escuras; já passa da meia-noite. O frio intenso e mais aquele silêncio perturbador lhe atravessam o corpo e a mente. Tem um pressentimento forte, sufocante. Que meninos seriam esses que moram em grupo numa cidade tão incomum chamada Swiftilândia? 
Mas ela precisa desincumbir-se o mais rápido possível dessa missão, pois carrega naquela negra mochila as caixas que lhe enviaram. Caixas que contêm mensagens vivas, enigmas de uma região antiga e abissal.
De repente, alguém pula à sua frente. É Tonico Pretinho, faca afiada que cintila à luz do luar em uma das mãos. Rápido nos reflexos, somente grita:
- Parada aí, moça!
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Na próxima postagem, vamos revelar onde moram e quem são os pequenos habitantes desse lugar fora do mapa. Aquele abraço!

terça-feira, 22 de julho de 2014

Mensagens dos meninos perdidos

Ainda meio sonolenta, Antonieta vai até o portão para receber uma surpreendente encomenda que lhe chega do exterior pelo correio. Trata-se de várias caixas de madeira antiga e uma carta de um remetente chamado Jonathan. Ele, que será daqui por diante seu instrutor e guia, lhe incumbe sem rodeios de uma missão que Nieta (seu apelido) julga-se completamente despreparada para aceitá-la. E o pior, que segurança terá aventurando-se nessa insana empreitada ? Reflete ela.
Continuaremos em breve...


terça-feira, 15 de julho de 2014

Laurence Olivier, o melhor...


Voltei finalmente aos livros, e pego meio sedenta e muito faminta de boas leituras, Confissões de um Ator, livro autobiográfico de Sir Laurence Olivier. Humor leve, inglês, mas sincero. Vida dura de ator principiante, quase mendicante no início da carreira. Apenas, leiam se for possível. Por que? Porque é um grande exemplo de despojamento e humildade do ator mais culto e menos vaidoso do cinema.
De resto, ando rabiscando uma historieta quase séria, um pouco adolescente e sem necessariamente com um final feliz. Em breve, e se digo assim é porque não sei quando será, cometerei a audácia de publicá-la.
Olha só duas das belas imagens do filme O Melhor Pai do Mundo que tem também como um dos protagonista o fantástico Alan Bates de Zorba, o Grego (que filmaço, hein?). Só isso, por enquanto.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

No mundo das bonecas quebradas

No mundo das bonecas quebradas só encontrei cacos de velhas lembranças sem serventia, sem nenhuma utilidade. Bonecas risonhas de cabelos dourados, vestidas com fitas sedosas e multicoloridas, fantasmagóricas bonecas, esquecidas no além do nosso inconsciente e inconsequente coletivo âmago, apesar de tão individualistas sermos, e somos. Cinzentos sonhos hoje sonho. Bonecas em preto e branco, me enganaste feio, por isso as odeio, por isso as joguei no lixo, por causa das suas patifarias e mentirosas lábias, preferi viver por viver, sem compromisso, sem o lenço e sem o documento de que falava Caetano. Viver sem brincar mais com a vida.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Talvez a culpa seja

Talvez a culpa
Se culpa houver
Seja e provenha
Do teu e meu
Reflexos
Nesse espelho
Pois não é fácil
Encontrar respostas
Se resposta houver
Esse traiçoeiro espelho
Que a tudo reflete
E vazio 
Permanecerá..